15 de jun. de 2011

Dois

Ele parou finalmente de correr, tropeçando no chão molhado pela chuva e caindo de joelhos. Cerrou os pulsos e fechou os olhos muito apertados. A chuva batia-lhe nas costas como uma punição por seus sentimentos errados e desvirtuosos. Tinha diante de si dois caminhos e o pensamento de que desde que ela existia em sua vida, o um não era mais suficiente. Queria ser dois. Porque dois é um número natural. E tudo que mais queria é que aquele sentimento, tão puro e forte, fosse visto como natural. E queria ser dois, porque a dualidade de todas as coisas é uma noção importante na maioria das culturas e religiões e na China, o número dois é um bom número porque diz um provérbio que todas as coisas boas vêm em pares. E dois é quase a explicação de tudo no mundo: bem e mal, convexo e côncavo, direita e esquerda, norte e sul, pai e filho, amor e ódio… E diz a lenda que o povo cantonês gosta do número dois porque a palavra que corresponde a esse número na sua língua soa parecida com a palavra relacionada à facilidade. E na música, díade é um acorde ou intervalo formado apenas por duas notas e a harmonia musical baseada nela é chamada de Harmonia Prematura, porque foi o primeiro tipo de harmonia a surgir no mundo. E dois sempre será, acima de tudo, a soma de um mais um. A soma mais simples e mais complexa de todo o universo. E enquanto pensava nisso, ele quase sorriu. Mas os dois sons descompassados e tristes de seu coração também sabiam que o número dois, apesar de tudo, é um número primo. O primeiro e o único que é par. E os números primos são sempre solitários, contendo apenas dois divisores: ele mesmo e o número um. Teve ímpetos de gritar, mas apenas cerrou com mais força os punhos, erguendo-se em certa resignação e continuando o caminho a passos lentos e em silêncio. Sabia que, assim como os números primos, era o destino de ambos viver sempre ao lado um do outro, sem jamais poderem se tocar.
Lyani }
Inspirado no Mangá Angel Sanctuary de Kaori Yuki


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